A “Semana Santa” surgiu já nos primórdios do cristianismo quando as comunidades cristãs em Jerusalém se reuniam, na Sexta-feira e no Sábado, mediante rigoroso jejum, recordando o sofrimento e a morte de Jesus, ou seja, rememorando “os dias em que nos foi tirado o esposo” ( Cf. Mt 9,15; Mc 2,20). Dessa forma, se preparavam para a festa da Páscoa, no Domingo, em que celebravam a memória da ressurreição de Jesus.
Posteriormente, a observância do jejum passou a ser praticada também na Quarta-feira para lembrar o dia em que os chefes judaicos decidiram prender Jesus, isto é, “porque nesse dia começaram a tramar a morte do Senhor” ( Cf. Mc 3,6; 14,1-2; Lc 6,11; 19,47; 20,19a; 22,2).
Tudo isto ocorria mais fortemente em Jerusalém porque provavelmente ali permaneciam mais vivas as lembranças dos últimos dias de Jesus. Essas solenidades passaram a ser imitadas pelas Igrejas do Oriente e depois pelas Igrejas europeias. Esses dias eram também de descanso para todos os servos e escravos. Em algumas Igrejas em Jerusalém eram celebradas todas as noites vigílias solenes com orações e leituras bíblicas, e com a celebração da Eucaristia. Em meados do Século III, já se observava o jejum em todos os dias da Semana Santa.
A importância da Semana que antecede a festa da Páscoa está evidenciada claramente através dos diversos nomes dados a essa época litúrgica ao longo dos primeiros séculos: “Semana da Páscoa”; “Semana “sem comparação” ou que “tem uma importância toda sua, em si e por si mesma”; “ Semana Maior”; e, por fim, ” Semana Santa”. As cerimônias litúrgicas particulares da Semana Santa começaram a desenvolver-se a partir do século IV. Resumidamente, a Semana Santa assim se desdobra:
Inicialmente, esse Domingo chamava-se “lavação das cabeças”, porque nesse dia, os que seriam batizados no Sábado seguinte, participavam de uma cerimônia preparatória, quando suas cabeças eram solenemente lavadas. Esse Domingo é marcado pela procissão de ramos, que começou a ser feita em Jerusalém, no século IV, para relembrar a entrada solene de Jesus, aclamado como Messias. Começava às treze horas, no Monte das Oliveiras. Não se tratava apenas de relembrar um fato do passado, mas de dar um testemunho público de fé em Jesus como o verdadeiro Rei e Salvador enviado. A partir daí, no correr da semana, precisamente na Quinta-feira, inicia-se o “Tríduo Pascal”.
Por volta do Século V, chamava-se “ Quinta-feira da Ceia do Senhor”. Em alguns lugares chamava-se “Dia da Traição”. Costumava-se chamar também de Quinta-feira de “Endoenças”(corruptela popular do latim: indulgêntia: in-dulgências, daí: endoenças), o dia do perdão, do indulto, da expiação dos pecados, da clemência. No século VI, iniciou-se o costume de fazer neste dia a “bênção dos óleos”, a serem usados nos Sacramentos do Batismo, da Crisma e da Unção dos Enfermos. Nessa Missa dos Santos Óleos, celebra-se a instituição do Sacramento da Ordem.
A Quinta-feira Santa é marcada pela instituição da Eucaristia, a “Ceia do Senhor”, simbolizada pelo amor serviçal (o lava-pés). Desde o século VI, a cerimônia do “lava-pés” procura reproduzir ritualmente o gesto de Jesus que lavou os pés de seus discípulos, como prova de amor e disposição para servir. O lava-pés era chamado também de Mandatum, para recordar o “mandamento novo” de Jesus. Em Roma, o papa lavava os pés de treze pobres, aos quais tinha servido uma ceia. Para o papa Gregório I, conhecido como Gregório Magno (590-604), este 13º pobre seria o próprio Cristo disfarçado de mendigo.
Atualmente, logo após a Eucaristia, o altar é deixado sem nenhuma toalha. Com este gesto simbólico, recordamos a desnudação de Cristo antes de sua crucifixão. Além disso, o Santíssimo é transladado para um lugar preparado à parte, a fim de levar os fiéis a fazerem algum momento de adoração, de vigília, meditando a hora difícil de Jesus no Jardim das Oliveiras e de oração por todos os que atualmente sofrem, pois neles, Jesus continua sofrendo.
Inicialmente, este dia chamava-se “ preparação; por extensão: “véspera do sábado”, sexta-feira. Segundo o evangelista João, é nesse dia que Jesus foi crucificado: “Os judeus temeram que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque já era a Preparação e esse sábado era particularmente solene. Rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados” (Jo 19,31). Tertuliano (155-222), um dos mais importantes escritores eclesiásticos da antiguidade, deu-lhe o nome de ” Dia da Páscoa ‘ . Santo Ambrósio (340-397) chamava a Sexta-feira de “Dia do amargor, da tristeza”, por ser o grande dia de luto para a Igreja. Ainda hoje, também é chamada de Sexta-feira Maior.
A liturgia deste dia é composta de três partes:
A liturgia começa diretamente com leituras dos profetas, cantos e a leitura dialogada da Paixão. Em seguida, a Oração Universal, apresentando as necessidades da Igreja e do mundo. A tradição dessas orações, abandonada no século VI, foi retomada pela nova liturgia depois do Concílio Vaticano II, que acabou introduzindo em todas as Missas as assim chamadas “Oração dos fiéis” ou “Oração da assembleia”.
Quanto a isso, é preciso antes esclarecer: a palavra “adoração” significa apenas “veneração solene”. Adoração, no sentido próprio, pode ser prestada só a Deus. A cerimônia da Adoração da Cruz, teve origem em Jerusalém, no século IV, depois que Constantino encontrou as relíquias da Cruz do Salvador. Aos poucos, a cerimônia foi sendo adotada também por outras cidades onde havia relíquias da Cruz. Mais tarde, foi assumida por toda a Igreja. Prestando uma veneração especial à Cruz ou ao Crucifixo, manifestamos nossa fé no Cristo Redentor, que nos salvou por sua morte. Adorando a cruz, é ao Cristo que de fato devemos adorar, reconhecendo nele o Filho de Deus encarnado e oferecido em sacrifício por amor a nós. Portanto, o sentido desta “adoração” é contemplar Jesus que, morto na cruz, ascendeu dela.
Desde os primórdios, não foi costume celebrar a Missa na Sexta-feira Santa. A razão é que assim a Igreja manifesta seu luto pela morte do Salvador. Até o século VIII não havia nem mesmo a comunhão, que só aos poucos foi introduzida na liturgia do dia. Em 1622, foi proibida a comunhão dos fiéis. Isso continuou até recentemente, quando foi reintroduzida, após o Concílio Vaticano II. É bom lembrar que neste dia não se consagram as hóstias, pois já foram consagradas na Quinta-feira Santa.
Para a Vigília Pascal convergem todas as celebrações da Semana Santa bem como de todo o Ano Litúrgico. Na Vigília Pascal recordamos a grande noite de vigília do povo hebreu no Egito, aguardando a hora da libertação da escravidão do Egito, ou seja, relembramos a Páscoa (do hebraico: pessach: passagem) judaica (Cf. Ex 12). E nela celebramos a nossa própria redenção pelo mistério da Ressurreição de Cristo. Na Ressurreição de Jesus realiza-se a grande Páscoa cristã, isto é, a Passagem da morte para a vida; do estado de perdição para o estado de salvação. É a vitória final de Deus, em Cristo, sobre o pecado, o mal e a própria morte. Cumpriu-se, assim, o que João Batista dissera acerca de Cristo: “No dia seguinte, João viu a Jesus que se aproximava dele. E disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo’” (Jo 1,29). Jesus é agora o novo Cordeiro Pascal, segundo o autor do Sermão aos Hebreus: “ele se manifestou uma vez por todas no fim dos tempos, para abolir o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hb 9,26). No âmbito espiritual, nos apropriamos da graça desta “passagem” pelo Batismo. Por isso, a “liturgia batismal” tem aqui um lugar destacante.
A Vigília Pascal, que para Santo Agostinho (354-430) é “a mãe de todas as Vigílias”, é uma soleníssima celebração, muito rica de símbolos universais e de símbolos particulares: as trevas, o fogo, a luz, a água, o círio pascal, a cor alegre dos paramentos, as músicas. A celebração articula quatro partes e conclui com a Procissão da Ressurreição:
Essa cerimônia começou a ser realizada de modo mais abrangente só a partir do século IX. Inicia-se com a “bênção do fogo”, feita no pátio, à entrada da igreja. Antigamente, acendia-se o fogo, usando pedras friccionadas, já que na Quinta-feira, tinham sido apagadas todas as luzes da igreja. Isso constava no próprio ritual antigo da bênção do fogo “O Cristo é a pedra usada por Deus para acender em nós o fogo da claridade divina”. Para os antigos, esse simbolismo do Cristo que ilumina, aquece e é centro de vida, era mais significativo. Porque, na Sexta-feira Santa, costumava-se apagar o fogão e todas as luzes das casas. Era no “fogo novo” que cada família acendia uma lâmpada para levar para casa e acender tudo novamente.
Com Cristo Ressuscitado, definitivamente a “Luz brilha nas trevas” (Jo 1,5). Recordamos aqui as palavras do próprio Jesus: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida”(Jo 8,12). Jesus Ressuscitado garante que “a vida é a luz dos seres humanos” (Jo 1,4b). Assim, o Círio pascal, que simboliza o Ressuscitado, é bento, aceso no “fogo novo” e conduzido em procissão para dentro da Igreja ainda às escuras, cantando por três vezes: Eis a luz de Cristo! Em seguida, é colocado fixo diante da assembleia. Os participantes são convidados a acenderem as suas velas, imitando aqueles servos de que fala o Evangelho (Lc 12,35-40), os quais esperam, vigilantes, “com as lâmpadas acesas”, o seu Senhor que os fará sentar à sua mesa. Esta parte se encerra cantando a “Proclamação da Páscoa” (Precônio Pascal), o Exulte (do latim Exultet), anunciando solenemente a vitória de Cristo. Não se sabe com certeza quando começou essa tradição litúrgica. Mas por volta do ano 384, já são encontradas referências a ela.
Neste momento, são narrados os gestos maravilhosos que Deus realizou em favor do povo ao longo da história da humanidade, desde a Criação do mundo até o grande ato da “Nova Criação” conferida pela ressurreição de Cristo, início e primícias de um mundo novo. É uma verdadeira “passeada” pela Escritura e pelo Novo Testamento. Para nós, tudo isso é motivo de júbilo e de ação de graças. Ao cântico solene do Glória, pouco antes da proclamação do Evangelho, a Igreja escurecida torna-se, de repente, uma explosão de luz. Toda a assembleia canta alegre e vibrante, ao som dos instrumentos musicais e até do sino. Note-se que as várias leituras bíblicas são intercaladas por orações e aclamações, a última das quais é o canto do Aleluia pascal(do hebraico: hallelu-yah: louvem a Javé, adorem a Javé).
Se há batismo, entoa-se a “Ladainha” (do grego:litanéia: oração pública; e do latim: litania: oração breve e insistente, pedir insistentemente) dos Santos. O Cristianismo herdou da liturgia das sinagogas esta forma de rezar, repetindo a mesma frase várias vezes como se vê na Escritura (Cf. 1Rs 18,39; Sl 136/135; 148; 150; Dn 3,52-90). A “Ladainha dos Santos” surgiu da “Oração dos fieis” (Séc. III), que constava duma lista de nomes de Santos, cuja memória era invocada por quem presidia a Missa. No início eram reverenciados os nomes de mártires, sobretudo os que testemunharam a fé em Roma. Com o tempo, a lista dos santos foi ampliada, tomando caráter de universalidade. A seguir, realiza-se a “bênção da água batismal”. O presidente da celebração mergulha o Círio pascal na água benta, para indicar que fomos sepultados na morte com Cristo e com ele ressuscitamos para a vida. Seguindo a bênção da água, passa-se para a “renovação das promessas do batismo”. Nos primeiros séculos da Igreja, era no Sábado Santo que se fazia o Batismo dos que, durante um bom tempo, tinham sido preparados para a admissão na comunidade. Os que já tinham abraçado a fé cristã, mas ainda estavam recebendo a catequese (do grego katechéou: derramar, verter para dentro de), chamavam-se catecúmenos (do grego kataskeuazómenoi: os iniciandos). Nessa noite de Vigília, eles recebiam as últimas instruções e ouviam com a comunidade leituras da Escritura, apropriadas para a circunstância. Para o Batismo, a água era abundantemente derramada sobre a cabeça dos novatos (do grego neófitos: novas plantas; daí: iniciantes, novos, imaturos). Assim, se há batizandos, realiza-se o Sacramento do Batismo. E mesmo havendo batismo, é muito significativa a aspersão da água benta sobre toda a assembleia.
Trata-se de uma celebração festiva, pois já se comemora a vitória sobre a morte: Jesus Ressuscitou! O Santíssimo que havia sido transladado pra um lugar preparado à parte, na Quinta-feira Santa, agora é trazido de volta para Tabernáculo na Igreja. Alimentando-nos do pão eucarístico que é Jesus, realimentamos as nossas forças e o nosso compromisso com a vida. Em muitos lugares, logo após a Celebração, o Santíssimo Sacramento é preparado para uma pequena procissão. De volta ao altar-mor, o presidente da Celebração abençoa todos os fiéis enquanto se canta o “Rainha dos Céus, alegrai-vos”, como se fosse um “parabéns” àquela que de “Senhora das Dores” transformou-se em “Senhora da Alegria”.
Ainda no que se refere ao “Tríduo Pascal”, é bom lembrar que não são três celebrações isoladas, ou três Missas, como a maioria das pessoas pensam e dizem. Notemos que a Celebração da Quinta-feira Santa começa com os “Ritos iniciais” e não conclui com os “Ritos finais”, mas apenas com a “Oração depois da comunhão” e com a “Transladação do Santíssimo”. A Celebração da Sexta-feira Santa, por sua vez, não é começada com os “Ritos iniciais” e nem terminada com os “Ritos finais”, mas apenas com a “Oração sobre o povo”, pois a Missa que começou na Quinta-feira, ainda continua. E no Sábado Santo, a Celebração também não começa com os “Ritos iniciais”, pois ainda é parte da Missa que deu início na Quinta-feira Santa. Aí, sim, concluída a Celebração da Vigília Pascal, o presidente da Missa encerra o “Tríduo Pascal” com os “Ritos finais”. Podemos assim dizer que o “Tríduo Pascal” é uma grande Missa, uma “Missona”. O que a Igreja realiza de modo mais longo no “Tríduo Pascal”, é realizado de modo mais breve nos Domingos comuns. Portanto, não é interessante “quebrar” a sequência desta única Celebração pascal.
III. Páscoa da Ressurreição.
A Missa de Páscoa é a maior solenidade do ano. Até o século XI, era só nesse dia que os simples padres podiam cantar solenemente o “Glória a Deus nas alturas” . Nesse momento do canto do Glória, como ainda hoje, novamente os sinos e o órgão irrompiam numa grande explosão de alegria. Cristo venceu a morte, e também para nós existe a tranquila garantia de vida e esperança.
Por isso, é muito importante que no Domingo pascal, a assembleia se reúna em torno de Cristo ressuscitado e presente no meio da comunidade. A tristeza, o desânimo e o medo, devem dar lugar à alegria e à esperança. Jesus venceu a morte para estar definitivamente junto e dentro de nós. Caso contrário, quem participa apenas da “Quinta-feira Santa”, ou só da “Sexta-feira Santa”, corre o risco de assimilar uma fé fracassada pela morte e de viver uma vida marcada pela resignação, pela alienação e inércia. É como se vivesse uma terrível e interminável Sexta-feira Santa, tanto na Igreja como na sociedade. Tal celebração acaba com as II Vésperas; portanto, caso não haja razões pastorais, deve ser celebrada antes do anoitecer do Domingo.