Deus quer vida, não a morte
Nesta terceira etapa da caminhada para a Páscoa somos chamados, mais uma vez, a repensar a nossa existência. O tema fundamental da liturgia de hoje é a “conversão”. Com este tema enlaça-se o da “libertação”: o Deus libertador propõe-nos a transformação em homens novos, livres da escravidão do egoísmo e do pecado, para que em nós se manifeste a vida em plenitude, a vida de Deus.
Êxodo 3,1-8a.13-15 – Deus se solidariza com o povo oprimido. A experiência de Deus é um mistério que está além da compreensão humana. Esse mistério é apresentado aqui como fogo que arde sem consumir. Esse Deus misterioso é o aliado do povo oprimido, o povo de Abraão, Isaac e Jacó. Moisés deverá tomar partido: ou continua identificado com os poderosos que oprimem o povo, ou se coloca à disposição do Deus que toma partido dos oprimidos. Respondendo ao clamor do povo, Deus se alia à causa dele e mostra o objetivo da libertação: o objetivo último e utópico é uma condição de posse total da vida (terra onde corre leite e mel); ao mesmo tempo, é um objetivo próximo e concreto: a posse da terra de Canaã (terra dos cananeus…). A libertação, portanto, é um movimento para se atingir o ideal, e este se concretiza num momento histórico bem determinado. E a ação de Deus se realiza sempre através da mediação humana (no caso, Moisés). Moisés se sente incapaz e sem autoridade para ser mediador da libertação para um povo com quem jamais conviveu. Deus lhe assegura que estará com ele e que a libertação vai se realizar: o povo chegará até o Sinai (= Horeb, v. 1). Em seguida, Deus se apresenta como aquele que está presente (v. 14): ele é o mesmo Deus dos antepassados: aquele Deus que prometeu formar um povo, agora vai cumprir a promessa. Ele quer ser invocado sempre com este nome. Deus manifesta a sua identidade dentro de um processo de libertação.
Vamos refletir:
A humanidade geme, hoje, num violento esforço de libertação política, cultural e econômica: os povos lutam para se libertarem do colonialismo, do imperialismo, das ditaduras; os pobres lutam para se libertarem da miséria, da ignorância, da doença, das estruturas injustas; os marginalizados lutam pelo direito à integração plena na sociedade; os operários lutam pela defesa dos seus direitos e do seu trabalho; as mulheres lutam pela defesa da sua dignidade; os estudantes lutam por um sistema de ensino que os prepare para desempenhar um papel válido na sociedade… Convém termos consciência que, lá onde alguém está a lutar por um mundo mais justo e mais fraterno, aí está Deus – esse Deus que vive com paixão o sofrimento dos explorados e que não fica de braços cruzados diante das injustiças.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)
Refrão: O Senhor é clemente e cheio de compaixão.
I Coríntios 10,1-6.10-12 – Discernir a história para usufruir a solidariedade de Deus
Paulo faz uma releitura do AT, mostrando que a história é um exemplo e instrução para a comunidade cristã, que vive a etapa final dessa mesma história (v. 11). Segundo tradições dos rabinos, a rocha golpeada por Moisés (cf. Nm 20,1-13) seguia os hebreus para providenciar-lhes água. Essa interpretação é aqui usada para dizer que Cristo conduz o povo desde os tempos do Êxodo. O comportamento dos hebreus daquele tempo torna-se advertência para que os cristãos se mantenham fiéis, confiando no apoio de Deus.
Lucas 13,1-9 – Deus quer a vida, não a morte. No caminho da vida há acontecimentos trágicos. Estes não significam que as vítimas são mais pecadoras do que os outros. Ao contrário, são convites abertos para que se pense no imprevisível dos fatos e na urgência da conversão, para se construir a nova história. A parábola (vv. 6-9) salienta que, em Jesus, Deus sempre dá uma última chance.
Para refletir
A proposta principal que Jesus apresenta neste episódio chama-se “conversão”. Não se trata de penitência externa, ou de um simples arrependimento dos pecados; trata-se de um convite à mudança radical, à reformulação total da vida, da mentalidade, das atitudes, de forma que Deus e os seus valores passem a estar em primeiro lugar. É este caminho a que somos chamados a percorrer neste tempo, a fim de renascermos, com Jesus, para a vida nova do Homem Novo. Concretamente, em que é que a minha mentalidade deve mudar? Quais são os valores a que eu dou prioridade e que me afastam de Deus e das suas propostas?
Essa transformação da nossa existência não pode ser adiada indefinidamente. Temos à nossa disposição um tempo relativamente curto: é necessário aproveitá-lo e deixar que em nós cresça, o mais cedo possível, o Homem Novo. Está em jogo a nossa felicidade, a vida em plenitude… Porquê adiar a sua concretização?