É significativa que, na celebração dos santos, a liturgia nos proponha o texto das Bem-aventuranças. Não se é proposto um evangelho que enfatize a uta contra o pecado, mas sim um texto que enfatiza a santidade. A liberdade do pecado é consequência do estar com Deus e de promover o bem. É olhando para Jesus, que é todo pureza e bondade, que nos tornamos puros e bons. Olhar só para nossas fraquezas não nos purifica. Antes, cansa-nos e pode até nos fazer desistir da caminhada. Os santos olham para Jesus, malgrado suas fragilidades, e, por isso, renovam as suas forças “como águias” e também, por isso, “correm sem se cansar”. Os santos não se preocupam apenas em não pecar contra a castidade, mas querem ser “puros”, pois “são os puros de coração que veem a Deus”. Alguém pode até não pecar, mas nem por isso será puro. Quem é puro, no entanto, certamente se livrará do pecado. Os santos buscam ser pobres não para desprezar os ricos. Não são pobres para impor uma pobreza material ao outros. São pobres” em espírito”, pois confiam em Deus e dele tudo esperam. Os santos são perseguidos sem mal algum praticar. São perseguidos não por se defenderem, mas sim por lutar pelos mais fracos e pelos oprimidos. Que o Senhor nos dê a graça de nos pautar pelos santos para “compreender que seja a largura, o cumprimento, a altura e a profundidade da caridade de Cristo que desafia todo conhecimento” (Ef 1,18-19). Que nossos exames de consciência sejam realizados a partir das Bem-aventuranças e não apenas pelos dez mandamentos.
Na Eucaristia celebramos a vida de Deus e a nossa vida. Deus é santo e fonte de santidade. Pelo batismo ele nos santificou, confiando-nos seu projeto. Celebrar a memória de todos os Santos é olhar para nossa caminhada eclesial.
Mt 5, 1-12a : A felicidade dos pobres. As bem-aventuranças marcam, no Evangelho de Mateus, o início do Sermão da Montanha, a nova constituição do povo de Deus.
O v.1 mostra a quem se destina essa boa nova: às multidões vindas da Síria, Galiléia, Décapole, Jerusalém….Há gente de todos os lugares. Isso significa que a mensagem de Jesus é para todos. Vendo às multidões , Jesus sobe a montanha, que, simbolicamente, é o lugar de Deus e do encontro com ele. A montanha recorda o Sinai, o monte onde a aliança foi selada, a Moisés. Jesus vai inaugurar a Nova Aliança com os pobres e marginalizados do mundo inteiro.
a)A felicidade dos pobres ( VV. 3.10). A primeira e última bem-aventurança: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o reino do céu”(v.3), juntamente com a oitava: “Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino do céu”(v.10), são a síntese de todas as bem-aventuranças. As demais ( VV 4-9) esclarecem alguns aspectos dessas duas. As demais bem-aventuranças trazem uma promessa futura: serão consolados, possuirão a terra etc…
A palavra pobre recorda os anawim do AT, da época de Jesus. São os que depositaram sua confiança em Deus enquanto ultima instância, porque a sociedade lhes negava justiça. São pobres em espírito, ou seja, escolheram a pobreza não porque a miséria os fizesse felizes, mas porque nessa condição participam do projeto de Deus, que é a construção da nova sociedade, baseada na justiça e igualdade. A sociedade estabelecida, ambiciosa de poder, glória e riqueza ( 4,9), não suporta uma sociedade alternativa que se forma com base na partilha e na comunhão dos bens.
b) A situação dos pobres que buscam a libertação (VV.4-6). Os versículos descrevem a situação dos pobres que buscam a libertação. Eles são afligidos. Os aflitos são pessoas cativas e aprisionadas, vítimas de sociedade cruel e opressora. Os mansos são os que foram subjulgados pelos poderosos. Jesus proclama a felicidade dos que lutam pela justiça, dos que dela sentem necessidade como alimento vital e diário, porque na utopia do reino não há um sinal sequer de injustiça.
c)Opções e práxis dos pobres: construir a nova sociedade(VV.7-9). Os pobres, que entram na dinâmica do reino, são misericordiosos, isto é, solidários. Partilha e comunhão impedem que alguém retenha qualquer coisa para si. Nesse clima de solidariedade, ninguém passa necessidade. Quem dá recebe, não só das pessoas, mas do próprio Deus. Por em comum é a primeira opção nos que entram na dinâmica do reino. A , segunda é a pureza de coração. Ser puro de coração é ter conduta única, em perfeita sintonia com o reino. Os pobres do reino são puros de coração porque não se apropriam da vida do próximo, como os poderosos. Sua conduta é íntegra. Jesus proclama felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. A promoção da paz é fruto da solidariedade e pureza de coração.
d) A comunidade cristã em meio aos conflitos(VV.11-12). A última bem-aventurança revela as tensões e conflitos enfrentados pelas comunidades. O evangelho lhes lembra que ser discípulo de Jesus é ser como os profetas do AT: “Desse modo perseguiram os profetas que vieram antes de vocês” (v.12).
1 Jo 3,1-3: A esperança que anima e purifica . Não é possível amar a Deus sem amar ao próximo e sem formar comunidade: se Deus é Pai, os homens são filhos e família de Deus, e conseqüentemente todos devem amar-se como irmãos”. Viver como filhos de Deus implica a prática de justiça: “todo aquele que pratica a justiça nasceu de Deus” ( 2,29). A prática da justiça mostra que Deus é justo e nos torna seus filhos. Portanto, ser filho de Deus é estar em sintonia com o projeto do Pai. O texto salienta que o amor do Pai é a grande força que sustenta a caminhada da comunidade cristã, apoiando e encorajando a luta pela implantação do projeto de Deus. Os cristãos porém, têm condições de superar as dificuldades e conflitos da caminhada. Sua força está em serem filhos de Deus.
Ap 7,2-4.9-14 : A vitória dos oprimidos . Num primeiro momento, abre-se uma janela em direção ao passado ( VV.4-8). O autor do Apocalipse se inspira no recenseamento dos hebreus saídos do Egito ( Nm 1,20-43) para mostrar que Deus preserva do julgamento aqueles que lhes são fiéis e os salva. No segundo momento se abre a janela para o presente/futuro da comunidade cristã (VV. 9-17). Se, no passado, Israel foi salvo da escravidão egípcia, com maior razão agora o Cordeiro salvará, conduzirá os que permanecem fiéis, enxugando-lhes as lágrimas. ( fazer justiça). Por isso o autor vê uma multidão que ninguém podia contar: gente de todas as nações, tribos, povos e línguas. O apocalipse foi escrito para animar comunidades perseguidos até a morte pela opressão e repressão do império romano. A vitória do Cristo sobre as forças do mal e a memória dos mártires das comunidades devolveram aos cristãos a força própria de sua vocação: a capacidade de denunciar e resistir a todo poder absolutizado que oprime e mata. Os mártires são vitoriosos e estão com Cristo: cabe a nós resistir e lutar.
A festa de Todos os Santos é momento oportuno para uma revisão da caminhada da comunidade. Olhando para os que nos precederam, santos e mártires, a comunidade é convidada a se questionar sobre seu caminho de santidade.